Sempre me causa certa perplexidade a leitura de algumas decisões judiciais.
A penhora é um caso típico em que se encontra todo tipo de controvérsia e discussão. Elas oferecem um rico material para estudo de direito registral.
Em recente decisão, proferida pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinou-se a penhora de uma oficina localizada em parte de imóvel residencial do executado, objeto de uma só matrícula do registro predial. A oficina penhorada tem um lançamento de numeração predial distinta da residência para efeitos cadastrais e de lançamento de tributos municipais.
Entendeu-se possível a penhora de parte do imóvel – como se tem entendido ser possível a penhora de imóveis com destinação comercial ou de acessões voluptuárias (piscinas, churrasqueiras), “resguardando-se apenas aquela [parte] em que se encontra a casa residencial”.
Parece lógico e bastante razoável a decisão e nos toca com um sentimento de justiça efetiva e concreta. Satisfez-se o bem da vida.
Ironias à parte, voltemos ao tema: a penhora incide exatamente sobre o quê?
Pela unitariedade da matrícula, sabemos não ser possível, em tese, registrar a penhora sobre parte do imóvel, promovendo um desmembramento ficto, especialmente naqueles casos em que o desmembramento seja simplesmente impossível por ser o bem indivisível.
Na decisão, a magistrada citou jurisprudência do STJ sobre o assunto:
“A Lei 8.009/90 tem por finalidade garantir a moradia da família. Cuidando-se de imóvel desdobrado em dois pavimentos, mesmo que se encontrem em linha horizontal, um utilizado para moradia familiar, outro para utilização de comércio, nada impede que sobre o último recaia a penhora e que seja feito, posteriormente, o devido desdobramento” (STJ, RESP 200101330127).
No precedente, ao menos se acena com um futuro “desdobramento”
No nosso caso, chegando-se à fase derradeira da execução, adjudica-se o quê? Arremata-se o quê? Direitos parciais, ok, mas que direitos serão estes? Ad absurdum, estabelece-se uma compropriedade compulsória? Depois de esgotada a jurisdição, remanescerá uma constrição judicial que se perenizará como um direito real atípico?
Por outro lado, se a penhora extravagante não ingressa na matrícula do imóvel, ocorrendo a alienação judicial sucessiva, os sub-adquirentes estarão obrigados a suportar o gravame judicial? Qual a natureza jurídica do bem penhorado?
A parte penhorada e alienada judicialmente poderá ser novamente alienada? Novamente, por absurdo: será um usufruto parcial? Lembremo-nos do usufruto processual do inc IV do art. 647 do CPC.
A propriedade plena do executado, protegida como bem de família, se convolará em uma espécie de usufruto que o exequente e o futuro arrematante/adjudicante deverão respeitar?
Penso que uma solução registral deva ser buscada – e ela passa, necessariamente, pela especialidade do título inscritível.
Deixo o assunto em aberto para que os mais doutos possam se manifestar.
Fonte: Observatório do Registro
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