André Luis Alves de Melo - Promotor de Justiça, mestre em direito público, professor universitário, membro do Grupo Nacional do Ministério Público (gnmp)
O protesto fiscal é a modalidade de cobrança de dívidas públicas pelos cartórios extrajudiciais. Alguns setores alegam que é ilegal/inconstitucional por falta de lei específica autorizando o setor estatal a usar essa via. Mas esse argumento é o mesmo que sustentar que o Estado não pode alugar, comprar, vender, nem expedir boletos de cobrança, além de inúmeros outros atos, em razão de ausência de lei específica para a área estatal.
A lógica do direito administrativo é que o administrador somente pode fazer o que está previsto em lei, mas não exige que seja uma lei específica para o setor público. Assim, a cobrança de dívidas por meio do cartório extrajudicial tem previsão na Lei Federal 9.492/97. Logo, pode o Estado optar pela cobrança por meio de execução fiscal ou cobrança extrajudicial por boleto bancário ou do protesto fiscal, e nesse caso o cartório fará uma análise prévia da legalidade do título.
O Brasil é o único país em que se entende que o Estado pode cobrar dívidas apenas pelo sistema judicial, e essa situação beneficia apenas alguns setores, como demonstraremos.
Hoje, 30% das ações judiciais no Brasil são na modalidade execução fiscal, e a cada ano são ajuizadas mais de 20 milhões de execuções fiscais (municípios, estados e União). Cada execução fiscal custa aproximadamente R$ 4 mil (conforme estudo do Ipea), logo não faz sentido executar débitos abaixo desse valor. O índice de sucesso das execuções fiscais é menor que 20%. Já o devedor tem que pagar no mínimo R$ 1 mil de custas, além dos honorários dos advogados – o que é feito duas vezes, pois ele paga os honorários de sucumbência aos advogados da Fazenda pública e os honorários contratuais aos advogados contratados para a defesa.
Já o protesto fiscal não tem custo algum para o Estado, pois quem assume as despesas é o titular do cartório de protestos. Em geral, o custo dos emolumentos para o devedor será de R$ 100, e ele não será obrigado a contratar advogado para defendê-lo.
O protesto fiscal costuma ter 80% de êxito, sendo que 50% das dívidas são pagas em menos de 10 dias. A União tem a receber R$ 1 trilhão, o que representa um quarto do PIB nacional. Isso é significativo e não pode ficar parado em razão de interesses corporativos de manter reserva de mercado de trabalho. O mesmo setor que alega que o governo é o maior demandante deseja a manutenção da execução fiscal judicial. A rigor, setores de carreiras jurídicas não querem a desjudicialização (meios extrajudiciais), pois temem que outros setores administrativos possam fazer essa cobrança.
Se um prefeito optasse por fazer uma obra usando material menos eficiente e mais caro, certamente seria processado por improbidade. Mas o meio jurídico vem entendendo que o prefeito pode optar por usar um meio ineficiente e caro (execução fiscal), que custa em torno de R$ 4 mil para o erário e R$ 1,5 mil para o devedor (custas e honorários), mas tem eficiência de menos de 20%, enquanto não usa o protesto fiscal que tem custo zero para o erário, e apenas R$ 100 para o devedor, e tem 80% de eficiência, e entendem que isso não é improbidade. Contudo, essa situação pode gerar muito mais prejuízos do que o exemplo da construção, pois são milhares de processos judiciais por mês.
Exemplificando, em uma situação real em uma cidade mineira de médio porte, com 100 mil habitantes, há 7 mil execuções fiscais do município em andamento. Considerando que cada execuçãp fiscal custe R$ 4 mil, conforme dados do CNJ e Ipea, isso implica em um valor de gasto aproximado de R$ 28 milhões. Porém, o município vem conseguindo êxito em apenas 10% das execuções fiscais. O pior de tudo é que os valores cobrados giram em torno de R$ 500 a R$ 1 mil, mas a ação custa R$ 4 mil para Minas Gerais, e o estado fica com toda a despesa, pois o município não paga custa.
Normalmente são dívidas de IPTU e ISS, e quando os devedores vão quitar têm que pagar, além do débito, os honorários de sucumbência para os advogados do município, além disso têm que pagar as custas em torno de R$ 1,2 mil e a contratação de um advogado particular para fazer a defesa. Se fosse a cobrança na modalidade de protesto fiscal, o devedor pagaria apenas R$ 100 de emolumentos, mais o débito, ou seja, bem mais barato. E o Estado não teria despesa alguma.
Contudo, alguns advogados de entes públicos, como recebem os honorários de sucumbência, temem perder essa receita e até mesmo reduzir os seus quadros, pois remeter guia para protesto fiscal não é ato privativo de advogado, mas assinar petição de execução fiscal sim. De outro lado, alguns advogados particulares recebem para fazer a defesa dos seus clientes, e esse mercado representa 30% das ações em andamento no país. Portanto, os lobbies são intensos.
Em geral, as chances de o devedor obter êxito em ações de execução fiscal são mínimas, pois a dívida decorre de previsão de lei e baseia-se no pagamento do tributo ou multa. Além do mais, o protesto fiscal não impede o uso de meios judiciais para combater eventuais irregularidades no crédito e o próprio titular do cartório de protestos faz uma análise do título antes de protestar.
Por outro lado, quem deve tem que pagar, isto é o princípio básico da moralidade e da responsabilidade social. Não faz sentido que os bons pagadores tenham que ser novamente sacrificados com aumentos de impostos para suportar a inadimplência dos devedores. Além disso, a execução fiscal onera o Estado (e os bons pagadores) com a necessidade de criar mais varas judiciais, o que é muito mais caro do que implantar órgãos administrativos ou instalar cartórios extrajudiciais.
Enfim, o protesto fiscal tem vantagens e o administrador que opta pela via da execução fiscal comete, em tese, ato de improbidade por violar o princípio constitucional da eficiência.
Fonte: Site do Jornal Estado de Minas/ Caderno de Justiça / Artigo por André Luis Alves de Melo - 08/03/2013
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