Possibilidade de registrar divórcio em cartório é uma das novidades previstas em pacote de projetos que pretendem tornar Judiciário mais eficiente
Um projeto de lei enviado pelo governo federal à Câmara em dezembro do ano passado promete facilitar a vida dos casais que não têm filhos e desejam se separar. Hoje é necessário que, diante do juiz e com advogados a tiracolo, os dois concordem em desmanchar o vínculo matrimonial. Se a lei entrar em vigor, todo esse rito será dispensável: a separação poderá ser registrada em cartório.
Essa é apenas uma das mudanças que o governo pretende aprovar no Congresso Nacional até o final do ano para garantir maior agilidade a quem recorre aos tribunais brasileiros. “Os cidadãos resolverão suas disputas judiciais com maior Flávio Dino, coordenador do gabinete criado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para colocar a reforma do Judiciário em prática. Depois das alterações feitas na Constituição no final do ano passado, o governo pretende priorizar agora os 23 projetos de lei em tramitação no Congresso que formam a chamada reforma infraconstitucional, que, para muitos especialistas, promoverá a verdadeira reformulação do Judiciário. As propostas visam a diminuir a burocracia e a enxurrada de recursos nas duas primeiras instâncias da Justiça, de modo a desafogar os tribunais superiores. “Num primeiro momento, nem Joãozinho nem a Maria vão sentir diferença quando forem à Justiça”, afirma Dino. “Mas, quando virarem lei, num prazo de dois a quatro anos a solução dos problemas será bem mais ágil”, aposta o juiz federal. Menos recursos, juiz fortalecido O governo federal e a cúpula do Judiciário querem fortalecer as decisões dos juízes, os magistrados que lidam diretamente com a população. Por isso, uma das principais alterações propostas no pacote é o fim do efeito suspensivo quando uma das partes recorre da decisão judicial. Na prática, a sentença do juiz seria executada em caráter provisório, independentemente do recurso. “Afinal, se a execução imediata da sentença passar a ser regra, o interesse recursal protelatório diminuirá, principalmente diante das novas regras da execução provisória”, justifica o senador Pedro Simon (PMDB-RS), autor de um dos projetos que recebeu o carimbo do governo. Outra importante mudança jurídica – da qual os cidadãos, por tabela, vão se beneficiar – diz respeito aos efeitos dos agravos (recursos judiciais interpostos no meio do processo).
Todos os agravos só poderão ser julgados após a sentença final, no momento da apelação. A exceção é para os casos de lesão irreparável ou irreversível, como, por exemplo, a não entrega de um produto perecível. “Acabaremos com o ditado que afirma que a regra é recorrer”, avisa Flávio Dino. “A maioria das decisões dos juízes de primeiro grau são confirmadas pelas instâncias superiores”, destaca Dino. Da papelada à internet Um dos projetos faculta o uso de meios eletrônicos, como internet e e-mails, na hora de fazer petições ou convocar pessoas para audiências de conciliação. “Temos que deixar de carregar papel, essa herança burocrática vinda do direito português”, critica Daisy Gogliano, professora de Direito Civil da Universidade de São Paulo (USP). Outra proposta permite que advogados sustentem oralmente seus clientes perante o juiz. No momento, isso ocorre apenas nos juizados especiais. Daisy Gogliano, procuradora aposentada, afirma que a sustentação oral – baseada no modelo anglo-saxão de Justiça – tornaria mais ágil a resolução das ações. “Se os advogados pudessem falar, o juiz proferiria sua sentença logo em seguida”, ressalta a professora.
Governo sem privilégios
Um diagnóstico preliminar sobre a situação do Judiciário brasileiro dá a dimensão da urgência de se aperfeiçoar a solução dos processos no país. Nada menos que 65% das ações em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) versam sobre apenas 45 assuntos. Em sua maioria, questões tributárias, previdenciárias e de servidores públicos – temas em que, no geral, a Fazenda Pública é ré. “São milhões de demandas, mas poucas controvérsias”, brinca o juiz Flávio Dino, responsável por implementar a reforma dentro do STF.
As milhões de ações idênticas que abarrotam os tribunais superiores deverão ser encaradas em várias frentes. A principal e mais controversa delas é a súmula vinculante, instrumento jurídico criado no final do ano passado, quando foi aprovada a primeira etapa da reforma constitucional do Judiciário. Por meio dela, a administração pública federal, estadual e municipal e toda a Justiça ficarão obrigadas a seguir a jurisprudência consolidada pelo Supremo (leia mais). Mas ainda há a possibilidade de aprovação de um projeto de lei que permite ao juiz decidir sem ouvir as partes no processo. Isso, no entanto, só valerá para matérias estritamente de direito, caso o magistrado já tenha dado várias sentenças sobre o assunto em outros processos. “Neste caso, o critério para determinar em quais ações o magistrado usará o recurso jurídico será o bom senso”, afirma Dino.
Com prazos e ônus
Outra proposta em análise na Câmara prevê a redução pela metade dos prazos para recursos em que os órgãos do governo – em nível federal, estadual ou municipal – constem como partes. Caso a lei entre em vigor, o tempo para a União recorrer de uma decisão judicial cairá dos atuais 30 dias para 15 dias. “Cerca de 70% das ações que tramitam no Supremo envolvem a Fazenda Pública”, constata Dino. “Temos de diminuir esse privilégio (do prazo da Fazenda ser maior)”, pondera. Além disso, um projeto pretende punir no bolso quem recorre de uma decisão e perde no final do processo. Nesses casos, a parte perdedora poderá arcar com 10% a 20% do valor da causa. Segundo Flávio Dino, muitos recorrem por não terem um ônus adicional ao processo. “Agora, terão de pensar mais na hora de apelar”, sustenta Dino.
Fonte: Congresso Em Foco (08/04/05)
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