Na invasão, milhares de pessoas moram sem acesso à coleta de lixo e a ônibus.
A favela curitibana “Terra Santa” está longe de fazer jus ao nome. Ali as pessoas vivem mal em barracos apodrecidos, não há rede de esgoto, não há ônibus, nem coleta de lixo. Os quatro mil moradores se viram como podem, com ligações clandestinas de água e luz na maior parte das moradias. Há mais de dois anos vivem na expectativa de mudanças na área que ocupam de forma irregular há quase cinco. A mudança pode estar próxima. O Ministério das Cidades e a prefeitura de Curitiba devem gastar R$ 15,6 milhões para remover parte da ocupação e urbanizar o restante, a um custo médio de R$ 14,3 mil por família. Pretendem transformar em bairro uma das maiores favelas da capital.
Dois terços dos recursos virão do Ministério: serão R$ 10,5 milhões de um convênio do governo federal com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e R$ 5,1 milhões de contrapartida do município. O último entrave burocrático é a análise e aprovação do projeto técnico que a Caixa Econômica Federal (CEF) terá de concluir até o dia 31 de março. A CEF será responsável pela liberação do dinheiro de acordo com a evolução das obras. O diretor-presidente da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), pastor Valdemir Soares, acredita que, superada essa fase e a das licitações públicas, as obras devem ter início entre julho e agosto.
Até lá, a dona de casa Laudinéia Gonçalves Dias, 30 anos, terá de se conformar em ver os três filhos pequenos expostos ao esgoto a céu aberto que passa em frente de casa. “Eles não têm lugar para brincar”, reclama. O esgoto ocupa o lugar de um fundo de vale, onde antes fluía um córrego de águas limpas e com muitos peixes. O riacho foi assoreado pelos entulhos lançados dos barracos que tomam conta do seu curso. Uma das moradias que está sobre o aterro é do desempregado Ênio Vergani, 58 anos. O seu casebre de madeira foi erguido, há cerca de quatro anos, sobre um aterro que desviou o córrego. “Se cavar 10 centímetros brota água”, diz.
Apesar das condições precárias, o desempregado, que vive de bicos consertando sapatos, exalta a boa sorte. “Minha casa nunca alaga quando chove”. Mesma sorte não têm outros moradores. Barracos vizinhos, também construídos sobre o leito aterrado do riacho, são freqüentemente invadidos pelas águas da chuva, que levam junto todo tipo de dejetos. “É difícil viver nessas condições”, diz a líder comunitária Clarisse Francisco de Campos. Os maiores problemas, aponta ela, são as ruas estreitas e íngremes, a falta de rede de esgoto, de coleta de lixo, de linhas de ônibus. Clarisse, Vergani, Laudinéia e muitos outros moradores estão ansiosos pela urbanização do lugar.
Em grupos de 80 pessoas, eles participam de reuniões com técnicos da prefeitura, com que se informam sobre as mudanças. A coordenação dos encontros cabe à chefe do Núcleo de Projetos Especiais da Cohab, Mariangeles Garcias Marrero. Há pelo menos dois anos, uma equipe de assistentes sociais da companhia vem conversando com os moradores da Terra Santa, preparando-os para as mudanças. “Todos estão ansiosos”, diz Clarisse. Essas mudanças incluem a remoção de 479 famílias para casas novas a serem construídas numa área vizinha. As 606 moradias restantes receberão água encanada, saneamento básico e iluminação pública.
Às casas que ficarem serão acrescidas outras 155, a serem erguidas pela Cohab. Atualmente, 77% das construções da Terra Santa são feitas em madeira. A retirada de boa parte das residências do lugar permitirá a abertura e pavimentação de 6,5 quilômetros de ruas e a recuperação da mata às margens do córrego. “Essas vias permitirão a integração do novo bairro à cidade”, comenta o pastor Valdemir.
Fonte: Gazeta do Povo (15/02/2005)
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