O artigo 38 da Lei 10.150/00 autoriza a Caixa Econômica Federal (CEF) a contratar na modalidade de arrendamento imobiliário especial, mas não a obriga a fazer esse contrato, ainda que o interessado preencha os requisitos legais. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou esse entendimento, acompanhando de forma unânime o voto da relatora do processo, ministra Isabel Gallotti.
Uma ex-mutuária do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) entrou com ação pretendendo obrigar a CEF a contratar com ela na modalidade de arrendamento mercantil com opção de compra. O imóvel que ela ocupava estava para ser retomado pela CEF, mas a mutuária conseguiu ordem judicial para suspender a desocupação. Para regularizar a situação, tentou fechar contrato com a instituição financeira nos moldes do artigo 38, porém a CEF se recusou.
Na primeira instância, o juiz determinou que a CEF fechasse o contrato de arrendamento, pois este seria um direito da ex-mutuária e não uma faculdade da instituição financeira, desde que fossem atendidas as exigências relativas às condições financeiras. No entanto, a CEF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região e foi liberada da obrigação de contratar. Houve então o recurso ao STJ.
A ex-mutuária alegou que a CEF, de acordo com a Lei 10.150, é obrigada a promover o arrendamento especial sempre que o postulante preencher os requisitos para tanto. O Ministério Público Federal deu parecer no sentido de que fosse provido o recurso da ex-mutuária, com base no direito social à moradia e na natureza jurídica de empresa pública detida pela CEF.
Liberdade contratual
Entretanto, na visão da ministra Isabel Gallotti, a Lei 10.150 é clara em apenas autorizar instituições financeiras a promover o arrendamento imobiliário especial com opção de compra.
Diz o artigo 38, textualmente (na redação originária dada pela Medida Provisória 1.981-49/00): “Ficam as instituições financeiras captadoras de depósitos à vista e que operem crédito imobiliário autorizadas a promover arrendamento imobiliário especial com opção de compra dos imóveis que tenham arrematado, adjudicado ou recebido em dação em pagamento por força de financiamentos habitacionais por elas concedidos.” O contrato pode ser feito com o ex-proprietário, o ocupante ou com terceiros, com base em valor de mercado.
Citando precedente da Terceira Turma (REsp 1.164.528), a ministra destacou que a CEF, empresa pública submetida ao regime jurídico de direito privado, não é a única instituição financeira a operar com mútuos habitacionais, devendo prevalecer na interpretação do dispositivo legal o respeito à livre iniciativa e à liberdade contratual.
“O artigo 38 da Lei 10.150 é dispositivo que se dirige às instituições financeiras em geral que operam no crédito imobiliário, não sendo compatível com o sistema constitucional em vigor a pretendida interpretação que imponha obrigação de contratar apenas à empresa pública, em prejuízo do princípio da livre autonomia da vontade e da igualdade constitucional de regime jurídico no campo do direito das obrigações civis”, afirmou a relatora.
Interesse coletivo
Isabel Gallotti também observou que, segundo o mesmo precedente do STJ, os princípios administrativos da moralidade, do uso racional dos recursos públicos e da segurança jurídica autorizam a interpretar como não obrigatório o arrendamento imobiliário. “Isso porque, analisando a questão sob o aspecto de que, numa empresa pública, o capital é público, eventuais prejuízos causados por uma contratação forçada afetariam, ainda que indiretamente, o interesse coletivo”, esclareceu.
Outro ponto levantado pela magistrada é que a Lei 10.150 não estabelece prazo de duração para o contrato de arrendamento. Se houvesse uma imposição legal de contratar, deveria haver um poder regulamentador de iniciativa das partes. O mesmo ocorreria com outros critérios como o preço de compra e valor da prestação.
Segundo a ministra, o artigo 38 não diz respeito a uma atividade vinculada, “capaz de obrigar qualquer agente financeiro captador de depósito à vista e que opere crédito imobiliário à promoção do arrendamento imobiliário especial com opção de compra”.
Ao concluir seu voto, Isabel Gallotti destacou que a controvérsia tratada no recurso nada tem a ver com o Programa de Arrendamento Residencial regido pela Lei 10.188/01, criado para suprir necessidades de moradia da população de baixa renda. Nesse caso, em que os recursos são da União, a CEF atua como operadora de programa público e não como empresa pública em regime de direito privado, e a disciplina legal é totalmente diversa daquela discutida no julgamento.
Fonte: Site do STJ
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