CIDADANIA
Com a ausência do documento, milhares de crianças nascidas no Distrito Federal são privadas de direitos básicos, como educação e saúde. Falta de informação e desinteresse dos pais colocam meninas e meninos à margem da inclusão social
SAULO ARAÚJO
Eles são ignorados pelo governo, não integram programas sociais nem mesmo têm direito aos serviços básicos de educação e saúde. No Distrito Federal, mais de 11 mil crianças ainda não possuem registro de nascimento, documento que é o passaporte para qualquer brasileiro exercer sua cidadania. Uma realidade comum no interior de estados pobres, mas que também atinge a capital do país. A falta de informação e o interesse dos pais, aliado à miséria extrema, justificam o número elevado. Os dados foram divulgados pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) com base no Censo de 2010, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em grande parte, homens e mulheres que não registram os filhos vivem abaixo da linha da pobreza. Sem a Certidão de Nascimento, a criança fica impedida, por exemplo, de ser matriculada na escola. Até consultas de rotina em hospitais públicos podem ser recusadas, assim como a aplicação de vacinas. A pequena Marina dos Santos Medeiros, 5 anos, sabe que a hora de iniciar os estudos se aproxima. No entanto, ela não faz parte das estatísticas oficiais. A mãe da menina, Mariana dos Santos Medeiros, 23, diz que uma série de eventos contribuíram para que a filha não fosse registrada.
Moradora de São Sebastião, Mariana diz que a menina nasceu no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), mas não teve sua situação legalizada perante o Estado porque o ex-marido e pai da criança passava por uma cirurgia no coração exatamente no dia do parto. "Eu estava de resguardo e meu ex-marido não tinha condições de ir ao cartório. Depois disso, nós nos separamos. No ano passado, tentei registrar, mas perdi o documento que prova que ela nasceu lá (no Hran)", relata.
O documento o qual Mariana se refere é a Declaração de Nascido Vivo (DNV), emitida logo após o parto e que dá suporte ao registro de nascimento. Alegando falta de tempo e irritada com a burocracia exigida para a emissão da segunda via da DNV, a jovem mãe desistiu, pelo menos por enquanto, de tentar tirar Marina da informalidade. "Até hoje, não tentei de novo, mas sei que um dia vou precisar fazer isso, porque essa situação vai acabar trazendo problemas para ela", afirma. E os problemas já começaram a surgir na vida da criança. Na semana passada, a avó de Marina quis viajar com ela à Bahia, para visitar parentes, mas a empresa de ônibus impediu o embarque da garota por conta da falta de documento.
Políticas públicas
O presidente da Arpen, Paulo Risso, considera os números no DF elevados se comparados aos de outras unidades da Federação. Minas Gerais, por exemplo, tem uma população de quase 20 milhões de habitantes e apenas 12 mil crianças sem registro. Ele culpa as "tímidas políticas públicas" para incentivar os pais a tomarem todas as providências logo após o nascimento dos filhos. "Me surpreende bastante esse número no DF, mas a vontade política é fundamental. Não adianta colocar o Ronaldinho na televisão por um mês falando da importância do registro e depois acabar a campanha. Esse tipo de iniciativa deve ser feita durante todo o ano", observa.
Paulo Risso acredita que os índices podem ser reduzidos com o envolvimento de vários órgãos da administração pública. "As prefeituras, as administrações regionais, em parceria com os conselhos tutelares, têm condições de identificar essas crianças e resolver a situação."
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