DIREITOS HUMANOS
Por decisão da 4ª Vara de Família de Brasília, funcionárias públicas oficializam a união de 11 anos e passam a ter todos os direitos que o matrimônio garante. Até agora, elas são as únicas mulheres a conquistar tal benefício em todo o país
» FLÁVIA MAIA
As funcionárias públicas Sílvia Gomide, 40 anos, e Cláudia Helena de Oliveira Gurgel, 44, não esperavam que em menos de dois meses elas pudessem realizar o sonho de 11 anos de relacionamento: a formalização da união. Ontem, exatamente às 13h40, por decisão da juíza substituta da 4ª Vara de Família de Brasília Júnia de Souza Antunes, as duas protagonizaram o primeiro casamento civil entre mulheres homossexuais do Brasil. Também foi o primeiro casamento homoafetivo do Distrito Federal e o segundo do país (leia mais na página 23).
Assim que saiu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de conceder direitos e deveres da união estável para casais homossexuais, as duas correram ao cartório e registraram a união. Isso no início de maio. Porém, incentivadas pela advogada Maria Berenice Dias, resolveram ir além e pedir à Justiça autorização para oficializar o casamento. "Decidimos casar porque é um direito que os brasileiros têm. E nós acreditamos que merecemos os mesmos direitos", contou Sílvia. "A união estável não dá direito a mudar o nome, nem o estado civil e poderíamos ter problemas no regime de bens", acrescentou.
O processo de conversão da união estável em casamento civil correu rápido no Judiciário. No último dia 6, a advogada deu entrada na ação. Menos de um mês depois da abertura do processo, a sentença da juíza estava em mãos e transitada em julgado, o que significa que nem o Ministério Público nem o próprio Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) poderão recorrer da decisão e ela fica na primeira instância. No mês passado, Sílvia e Cláudia registraram em cartório a união estável e, agora, celebraram o casamento. Com isso, Sílvia Gomide incorporou o Gurgel da companheira e passou a chamar-se Sílvia Del Vale Gomide Gurgel. As duas casaram-se com regime de comunhão parcial de bens.
A advogada Maria Berenice Dias baseou a defesa do casamento no Código Civil Brasileiro e na decisão do STF. "A lei diz que o Estado deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Como o Supremo considerou os mesmos direitos de união estável para casais homo e héteros, apostei que o Estado também deveria facilitar o casamento civil para homossexuais", afirmou a advogada.
Documentos
Para autorizar o casamento civil, a juíza pediu, além do documento provando a união estável, duas testemunhas. Certidões de nascimento, fotografias e inscrição de dependência no plano de saúde e aposentadoria do Senado Federal foram anexadas ao processo para confirmar a veracidade da união. De posse das provas, a magistrada escreveu na sentença: "As testemunhas demonstraram de forma clara, segura e convincente, que as autoras mantêm união estável homoafetiva como se casadas fossem. Na ausência de dispositivo legal que autorize o casamento civil de pessoas do mesmo sexo, a Suprema Corte, em decisão histórica, deferiu o tratamento isonômico às referidas uniões, idêntico ao das uniões estáveis heteroafetivas."
A conversão da união estável em casamento civil de Cláudia e Silvia - que não pensam em adotar filhos - é a segunda do Brasil. A primeira ocorreu na segunda-feira, em Jacareí (SP). A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (ABGLT) comemorou as decisões. "Vamos incentivar que todos os casais homoafetivos procurem a Justiça visando seus direitos", afirmou Irina Bacci, secretária-geral da entidade.
|