Caso de interesse público e objeto de discussão na Justiça, a fraude à execução - que acontece quando a pessoa tem uma dívida e já existe um processo judicial para pagamento da mesma - ainda ocorre nos estados brasileiros. Fraudar é passar alguém para trás, agir de má-fé. Depois de tentar outras formas para que a dívida seja paga, o credor (pessoa a quem se deve) entra com ação de execução na Justiça contra o devedor para que ele efetue o pagamento. Mesmo assim, o devedor começa a vender bens que estão no seu nome de propósito para não pagar o credor.
Dentro desse processo, um imóvel de propriedade do devedor é penhorado - quando a Justiça garante aquele bem como pagamento da dívida e ele não poderá ser vendido ou doado. Se o devedor fizer isso, prejudicará não só o credor, como também o processo de execução e o novo comprador do imóvel. Nesse caso, além de ser fraude à execução, poderá também ser crime, porque o imóvel já estava penhorado.
Comprar um imóvel não é simples. Exige responsabilidades, principalmente quando é uma casa ou apartamento que pertencia a outra pessoa, ou um imóvel de terceiro. Muita gente prefere deixar toda a transação para a transferência da propriedade do imóvel com uma imobiliária ou um corretor.
Família no prejuízo Por ingenuidade ou falta de instrução, e em muitos casos por má-fé do vendedor, as pessoas compram um imóvel e só depois descobrem que o sonho da casa própria virou um pesadelo. Foi o que aconteceu com a costureira Maria José Rocha de Souza, 57 anos, e seu marido Agostinho Xavier de Souza, servidor de 64 anos.
O casal corre o risco de perder a casa, que teve a venda anulada pela Justiça Federal alguns anos após a compra. Dependendo da decisão judicial, o imóvel, localizado na QE 26, no Guará II, poderá ser leiloado para pagar a dívida que o primeiro dono acumulou com um shopping. O caso está na Justiça do DF há cinco anos e representa fraude à execução.
Em 2002, Maria José, Agostinho e as duas filhas mudaram-se para a casa, que custou R$ 145 mil. Passaram-se três anos e o casal decidiu vender o imóvel, que já estava valorizado em mais de 200%, para pagar a faculdade das filhas. Dois dias depois de vendida e a transferência concluída, chegou intimação judicial para Agostinho informando que o imóvel estava penhorado em nome de José Farias Lobato, primeiro dono da casa.
O casal confiou na imobiliária e no corretor que fez a venda da casa em 2002. Maria e Agostinho deixaram sob a responsabilidade do corretor de imóveis toda a transação para registro e transferência de propriedade da casa. A costureira garante que recebeu a certidão de ônus reais e não constava penhora para o imóvel. No entanto, lembra: "Eu nem sabia sobre o cartório de distribuição. Hoje sei que é o local onde vemos processos do dono da casa.". O casal não cobrou, o corretor não mostrou, e o resultado foi a situação pela qual a família está passando agora. A costureira mostra aflição em perder a casa, que foi paga com vários anos de esforço e de trabalho.
"Se bem que a dor do engano é muito maior do que a dor de perder a casa", desabafa dona Maria José, enquanto seca as lágrimas. Preocupada, ela não fala em outro assunto a não ser no medo de não ter onde morar. A filha mais nova, Larissa Rocha, ajuda a esclarecer o dolo: "Fizemos muitas pesquisas e descobrimos que o corretor de imóveis tem denúncias relacionadas ao mesmo assunto no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-DF). E outras pessoas já vieram na nossa casa contar que compraram pela mesma imobiliária e com o mesmo corretor e sofreram o mesmo golpe", denuncia.
Êno de Souza, advogada da Associação dos Mutuários e Consumidores de Imóveis (Asmut), alerta os clientes de que, antes de comprar um imóvel, devem ir ao cartório de distribuição para ver se existe algum processo judicial no nome do dono do imóvel. "É importante também que a pessoa veja o tipo de ação. Se for ação de execução, já foi decretada uma dívida líquida e certa e nós, advogados, já alertamos a pessoa para que não compre o imóvel", enfatiza. Êno afirma que, se o dono do imóvel tiver processos, "a pessoa deve contratar um advogado para analisar os tipos de ações".
Projeto de Lei dará mais segurança aos compradores
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7.431/10, de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT), que tem o objetivo de prevenção da fraude à execução. O projeto foi apresentado no dia 1º de junho deste ano e está aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Casa.
A advogada da Asmut, Êno de Souza, explica que a fraude à execução tem previsão no Código de Processo Civil, nos artigos 593 e 594. "O deputado propõe acrescentar dois parágrafos no artigo 593, querendo dar, assim, uma subgarantia às pessoas para que não sejam enganadas", explica. Se o projeto de lei for aprovado, o credor que pediu a penhora terá a obrigação de colocar essa informação na matrícula do imóvel. Se não o fizer e alguém comprar a casa, o credor terá de comprovar a má-fé do comprador. Assim, o PL 7.431/10 tem como foco prevenir para que não ocorram situações complicadas e constrangedoras com relação a um assunto tão sério, que é a compra de um imóvel. Ovídio Maia, vice-presidente do Secovi-DF, afirma que "o Sindicato das Empresas Imobiliárias do DF é totalmente favorável a todo e qualquer projeto que vier a dar segurança para quem compra e para quem vende". "O mercado de imóveis recebe a concentração de informações na matrícula do imóvel de braços abertos", observa.
O dirigente afirma que quanto maior a segurança para o comprador, melhor será para o mercado imobiliário. "Por isso orientamos os compradores para que procurem sempre um profissional capacitado, credenciado no Creci. E os corretores que deem todas as informações acerca do imóvel", enfatiza Ovídio. Ele observa que, em uma relação de compra e venda, as empresas imobiliárias têm de dar total segurança a quem está comprando, para que alguém, caso esteja utilizando de má-fé, não consiga prejudicar o comprador.
Ovídio também atenta para o fato de que o PL, dando certo, irá acabar também com o fato de que algumas vezes a pessoa não tem processos no estado em que está sendo registrado o imóvel, mas tem em outro estado e o cartório de distribuição não mostra isso. "Na concentração de informações na matrícula do imóvel também deverão constar processos de outros estados, que poderão recair em penhora sobre o imóvel comprado", alerta.
Francisco José Rezende dos Santos, presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), acredita que o PL é benéfico para os compradores de imóveis e para o mercado imobiliário, mas não descarta o trabalho dos cartórios, pois eles dão a segurança necessária aos investidores. Ele afirma que o cartório cumpre a sua obrigação, seguindo à risca a Lei nº 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos.
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