Após irregularidades, CNJ declara aberta a titularidade de 5.561 repartições no país. Rendimentos de R$ 5 milhões mensais farão da seleção a mais concorrida da história
VICTOR MARTINS
Acabou a farra de tabeliães que atuavam como donos de cartórios, tinham faturamento milionário e deixavam a própria função como herança para os filhos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) declarou como aberta a titularidade de 5.561 dessas repartições e mais mil casos estão sob a lupa do corregedor nacional da instituição, o ministro Gilson Dipp. A investigação que levou a esse desfexho revelou ainda a existência de 153 cartôrios fantasmas - eles não tinham autorização do judiciário para funcionar ou emitir documentação, mas rendiam milhões para notários dessas preaças. Com a decisão, os tribunais de justiça estaduais têm seis meses para realizar concurso e preencher as vagas.
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"Houve uma cultura cartolista de transmissão de pai para filho, de acobertamento e de omissão por parte da administração do judiciário"
Gilson Dipp, corregedor nacional do CNJ
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Quando esses processos seletivos forem abertos, serão os certames mais concorridos e desejados da história do país. Considerado um dos melhores empregos do mundo, dependendo da região, o tirular d eum cartório chega a ter rendimentos mensais superiores a R$ 5 milhões. A quantidade de oportunidades para os que têm interese em ser um tabelião-chefe era, no início do ano, de 7 mil vagas - número de cartórios considerados sem tirular. Mas o CNJ precisou abrir prazo para comprovar que estavam dentro da legislação e cerca de 1,5 mil escaparam da degola.
Limitação
Paraná, Pernambuco, Acre e Amazonas são os campeões de irregularidades. No Distrito Federal, nenhuma repartição entrou para a lista do conselho de justiça. "Enquanto os concursos não forem realizados, os interinos permanecem na vaga", explicou o ministro Dipp. "Mas eles vão ter que ficar limitados ao teto constitucional quanto aos rendimentos. Para os estados, o valor é de R$24.ll7,62", disse. De acordo com a legislação, os concursados que estão no cargo atualmente e os que venham a realizar o certame não terão limite para ganhos. Os tribunais que não promoverem provas e análise de títulos, segundo Dipp, estarão cometendo infração e serão acusados de improbidade administrativa.
Entre as irregularidades encontradas, o corregedor do CNJ destaca a permuta entre cartórios. O filho de um tabelião-chefe, por exemplo, realizava concurso para uma repartição do interior de alguma unidade da Federação e tomava posse no cargo. Depois, era transferido para o cartório do pai e assumia a titularidade do lugar. Pelo esquema, o antecessor passava o trono para o herdeiro e se aposentava depois de anos de lucros exorbitantes no serviço público.
Fantasmas
No caso das repartições fantasmas, elas surgiam, na maioria dos casos, quando um município era emancipado ou o cartório, desmembrado. O titular abria uma espécie de filial e a titularidade do lugar ficava para um parente ou um amigo. Nos tribunais de Justiça, responsáveis pela fiscalização e pela autorização desses cartórios, não existia um único papel que certificasse o nascimento da repartição, os documentos eram emitidos por um local sem poder para tal. O CNJ garante que os cidadãos que usufruíram de serviços dos fantasmas não precisam se preocupar. Nenhum documento será invalidado, a não ser os que forem considerados fraudulentos.
"Houve uma cultura cartorialista de transmissão de pai para filho, de acobertamento e de omissão por parte da administração do Judiciário", criticou Dipp. Para ele, os legislativos e executivos estaduais também tiveram sua parcela de culpa na farra dos notários. "Algumas pessoas se acham donas de um serviço público que foi delegado a elas e isso tornou a situação caótica", ponderou. O Correio procurou a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), mas a entidade preferiu não se pronunciar sobre o caso.
Sem choro
Notários de diversos cartórios que perderam a titularidade a partir da decisão do CNJ afirmam que a situação é arbitrária. Eles alegam ter direito adquirido sobre o cartório por estarem na função há muitos anos. O corregedor do conselho de Justiça, o ministro Gílson Dipp, discorda. Para ele, a legislação é clara e diz que para exercer a titularidade de um cartório isso só poderá ocorrer por meio de concurso público. "Essas pessoas podem discutir isso em termos jurídicos. Mas na minha opinião, não há direito adquirido frente o que manda a Constituição", afirmou. Ainda segundo o corregedor, as eleições não devem atrapalhar a realização do concurso. No máximo, poderá atrasá-lo em alguns dias. (VM)
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