Acusado de tentativa de homicídio na Bahia, pedreiro foi beneficiado por alteração no registro de batismo em novo documento obtido quando mudou-se para o DF. Progressão de pena não teria sido concedida, caso a Justiça soubesse do mandado de prisão contra o suspeito
Diego Amorim
Ary Filgueira
Serra Dourada (BA) Adimar Jesus da Silva é na verdade Ademar de Jesus Silva. A mudança na grafia do nome não foi um equívoco. O homem que confessou ter matado os garotos Diego Alves Rodrigues, 13 anos; Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16; George Rabelo dos Santos, 17; Flávio Augusto Fernandes dos Santos, 14; Divino Luiz Lopes da Silva, 16, e Márcio Luiz de Sousa Lopes, 19, todos moradores de Luziânia (GO) possui duas carteiras de identidade com numeração também diferente. O segundo documento foi confeccionado depois de ser decretada a prisão dele por uma tentativa de homicídio, em Serra Dourada (BA), ocorrido em 2000.
A mudança no nome do pedreiro fez com que não constasse nos sistemas de buscas de antecedentes criminais e devida pregressa do acusado o mandado de prisão. Com isso, Ademar Jesus da Silva acabou beneficiado com a progressão do regime da pena de 10 anos e 10 meses em regime integralmente fechado pelo abuso sexual contra dois meninos: um de 11 e outro de 13, nas cidades de Águas Claras e Núcleo Bandeirante, ambas no Distrito Federal.
O pedreiro deixou o presídio em 23 de dezembro do ano passado e, sete dias depois, teria cometido o primeiro crime após a saída da prisão. Segundo confessou, abusou sexualmente e matou Diego Alves Rodrigues, 13 anos. O problema é que os cartórios judiciais não alimentam esses sistemas , lamentou o promotor de Justiça de Luziânia, Ricardo Rangel. Um dos sistema mais usados, segundo ele, é do Instituto Nacional de Identificação (INI) da Polícia Federal. Um letra errada faz com que a pesquisa não seja concluída e não conste nada contra o investigado , acrescentou Rangel.
Rival da família
O mandado de prisão preventiva foi expedido pelo juiz da Vara Criminal de Serra Dourada (BA) Argemiro de Azevedo Dutra, em 17 de maio de 2000. Na cidade natal de Ademar, localizada no oeste baiano, o pedreiro e o irmão dele Manoel Messias da Silva, 48 anos, conhecido como Nequinho são acusados de ter atirado em um rival da família. A vítima, Leitinho dos Santos Oliveira, ficou 32 dias internadaem hospitais de Ibotirama (BA) e da capital Salvador, mas sobreviveu e hoje vive em Brasília.
No fórum de Serra Dourada, o Correio teve acesso ao longo processo são mais de 50 páginas sobre o crime ocorrido em 26 de março de 2000, por volta das 22h, no povoado de Riachão, a menos de 20km da entrada do município baiano. Leitinho levou um tiro de espingarda nas costas, na porta de casa. Com base em inquérito policial, o Ministério Público da cidade pediu abertura de processo contra Ademar, conhecido no município como Negão de Deraldo, e o irmão dele Manoel Messias da Silva, 48 anos, conhecido como Nequinho.
Os dois acabaram indiciados por tentativa(1) de homicídio e concurso de pessoas. No processo, o MP destaca que a família de Negão e Nequinho era notória inimiga da família de Leitinho, havendo, inclusive, três inquéritos na delegacia da cidade envolvendo os dois grupos. Em 1998, Nequinho levou quatro tiros. As marcas das balas ainda estão pelo corpo. Na época, a principal suspeita recaiu sobre Leitinho, mas ele não chegou a ser preso. Consta do processo que, em virtude desse episódio, havia um desejo de vingança.
No dia seguinte à tentativa de homicídio, Ademar sumiu. Ele era suspeito. A gente não tinha dinheiro para pagar advogado e ele teve que ir para Luziânia , disse na terça-feira, ao Correio, Domingos Jesus da Silva, 30, um dos irmãos. De acordo com o processo, existiam informações na cidade de que ele voltaria para se vingar de Leitinho, o que a família nega. Nenhuma das testemunhas ouvidas no inquérito indica certeza sobre a autoria do crime.
O irmão de Negão envolvido no caso ficou 45 dias preso. Foi apontado como o mentor da tocaia. Sem provas que pudessem incriminá-lo, ganhou o direito de responder ao processo em liberdade. O juiz, no entanto, proibiu que ele deixasse a cidade. Fiquei preso injustamente e Negão sumiu, não sei o que houve. Mas ele (Leitinho) tinha muita intriga, ninguém sabe até hoje quem atirou nele. Eu não fui e Negão também não , disse Nequinho, em entrevista ao Correio. Era coisa de criança (a rivalidade entre as famílias). Um dia ele (Leitinho) pegou com força no braço do meu filho e eu tirei satisfação , tentou explicar.
Regime de urgência
Em maio de 2001, após informações de que Negão estaria no Distrito Federal, a Justiça de Serra Dourada enviou um ofício a Brasília, pedindo que, em 30 dias, as autoridades encontrassem e prendessem Ademar de Jesus Silva. Em setembro de 2003, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios informou que não havia conseguido cumprir a ordem e enviou um ofício à comarca baiana para saber se ainda havia interesse no caso. Em março do ano seguinte, o TJDFT voltou a pedir, em regime de urgência, que o mandado de prisão fosse reenviado.
Serra Dourada tem pouco mais de 18 mil habitantes e gira em torno da agricultura. No fórum, não há juiz nem promotor fixos. Somente na última terça-feira, o pedido de reenvio do mandado de prisão do pedreiro feito duas vezes antes pelo TJDFT foi atendido. Um delegado de Luziânia ligou para o fórum de Serra Dourada e solicitou o documento para anexá-lo ao processo que começará a correr na Justiça referente aos seis homicídios confessados por Negão. Não sabemos o que houve, mas durante todo esse tempo ele era considerado foragido , disse o oficial de justiça da cidade baiana, Henrique Pereira Rosa.
1 - Ação conjunta
O termo jurídico refere-se aos casos em que duas ou mais pessoas agem para cometer um crime.
NOVA INVESTICAÇÕES
A delegacia de Serra Dourada (BA) vai investigar o tempo em que Ademar Jesus da Silva viveu na região. Depois que o maníaco de Luziânia começou a aparecer na televisão, várias pessoas , segundo o delegado Alessandro Braga, foram até a unidade policial relatar desaparecimentos ocorridos anos atrás. Elas acham que podem ter alguma coisa a ver, mas, por enquanto, são boatos. Nós vamos investigar , comentou Braga, que pediu ao escrivão para vasculhar os inquéritos antigos, para saber se o nome de Ademar está relacionado a algum crime sexual. O sistema na delegacia não é informatizado. Segundo familiares do assassino, ele deixou o oeste baiano aos 24 anos, ou seja, 16 anos atrás.
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