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10/03/2014
Ainda que tarde, cresce registro de paternidade
Após nova regra que facilita o registro tardio, cartórios de Curitiba têm alta de até 152% no número de pais que reconhecem os filhos

O número de pedidos de reconhecimento tardio de paternidade vem crescendo progressivamente em ofícios de registro civil de Curitiba, desde a publicação do Provimento n.º 16 da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há dois anos. A regra permite que, havendo concordância dos pais, o processo seja feito diretamente nos cartórios, sem a mediação do Poder Judiciário.

A pedido da Gazeta do Povo, a Associação dos No­­tários e Registradores (Anoreg-BR) fez um levantamento nos cartórios da capital. Só no 1.º Ofício de Registro Civil de Curitiba, o número de averbações teve um salto de 152% nos últimos dois anos, indo de 38, em 2011, para 96, em 2013.

Nos cartórios distritais do Bacacheri e Campo Comprido, onde não havia pedidos desse tipo antes do novo regulamento, o crescimento foi ainda maior. No primeiro, em 2012 foram averbados 11 reconhecimentos de paternidade, saltando para 21 no ano passado. Já no Campo Comprido, foram 29 averbações no primeiro ano do provimento e 57 no segundo ano.

Para o presidente da Ano­­reg-BR, Rogério Portugal Bacellar, o aumento na procura se deve, sobretudo, à facilidade e à rapidez do processo. “Antigamente, a pessoa tinha de fazer o reconhecimento e dependia da via judicial. Passava pelo Ministério Público e pelo juiz, para depois ser averbado no cartório, demoravam meses para sair”, recorda.

Com o provimento, qualquer cartório pode receber o pedido. “Pode até ser feito em outra cidade e encaminhado ao cartório de origem para ser averbado. Se for feito no cartório em que a criança foi registrada, o documento já sai na hora. Do contrário, leva de 5 a 15 dias”, diz. Embora o serviço de reconhecimento de paternidade não tenha custo, a averbação e emissão da segunda via da certidão de nascimento têm uma taxa de aproximadamente R$ 50.

Para fazer o reconhecimento diretamente em cartório é preciso que pai e mãe estejam de acordo. Caso o registrado seja maior de idade, a presença da mãe é dispensada, mas, para filhos menores, ela também precisa assinar. “Se os pais forem brigados, a mãe pode ir num primeiro momento, declarar que ele é o pai, e ele vai depois”, sugere a promotora de justiça Luciane Melluso Freitas, titular da vara de registros públicos de Curitiba do MP-PR.

A promotora ressalta que chegar a um cartório com o padrasto e declarar que ele é o pai configura crime de falsidade ideológica. Segundo Luciane, caso isso aconteça há um aparato jurídico de proteção à criança que permite reverter o falso reconhecimento de paternidade. “O padrasto pode reconhecer, mas em outro formato jurídico, que é a adoção na vara de família. Somente o pai biológico pode ir até um cartório. Do contrário, é crime.”

Programa consegue dar o nome do pai a 31 mil brasileirinhos

Embora ter um nome civil seja um dos direitos fundamentais do cidadão, o Censo de 2010 apontava cerca de 600 mil brasileiros de até 10 anos de idade sem certidão de nascimento, enquanto o Censo Escolar estimava algo em torno de 5 milhões de estudantes sem o nome do pai nos documentos.

Para tentar mudar essa realidade, antes do Provimento n.º 16, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia dado início ao programa Pai Presente, em agosto de 2010, com diretrizes para a realização de campanhas e mutirões do Judiciário.

Desde o início do programa, estima-se que pelo menos 31 mil reconhecimentos espontâneos de paternidade foram registrados em 20 estados brasileiros que enviaram informações ao CNJ. Foram mais de 300 mil notificações, 28 mil audiências e quase 14 mil exames de DNA.

O órgão calcula que o número real deve ser bem maior, já que o envio desse tipo de dado pelos Tribunais de Justiça (TJ) não é obrigatório. No período, o TJ-PR informou 2.652 reconhecimentos espontâneos de paternidade ao CNJ.

De 2009 a 2011, o Censo Escolar da Educação Básica apontava 10,8% dos estudantes sem o nome do pai na certidão de nascimento. Em 2012, ano em que o reconhecimento de paternidade passou a ser possível diretamente no cartório, o número caiu menos de 1 ponto porcentual, indo para 10% dos matriculados. O Ministério da Educação ainda não fechou os microdados de 2013.

Em Curitiba, pelo menos 7 mil crianças da rede municipal estão nessa situação, segundo estimativa do Ministério Público (MP) em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação. Desde agosto do ano passado, MP, Judiciário e secretaria estão unidos na aplicação do Pai Presente na cidade.

A promotora Luciane Freitas explica que, ao detectar a omissão do nome paterno nos documentos, o agente da matrícula escolar entrega um folder ao responsável, orientando-o a procurar as regionais de Educação. “Tudo é feito com cuidado, para não haver constrangimentos, nem violar a garantia à dignidade da pessoa humana. Está havendo muito reconhecimento, estamos abraçando esse programa com bastante vontade, para, num futuro não muito longe, colher esses frutos.”

Sobrenome

Depois de 14 anos, Nilson corrige omissão nos documentos do filho

Apesar de sempre ter morado com o filho Paulo, nascido há 14 anos, o construtor Nilson de Souza Gonçalves, 37 anos, só conseguiu dar-lhe o sobrenome em setembro do ano passado. Ele conta que o menino nasceu prematuro e ficou seis meses internado. Como a esposa cuidava de tudo enquanto ele trabalhava, acabou registrando o filho somente no nome da mãe. “Ela foi com a mãe e achou que não era importante dar meu nome, aí acabamos deixando para lá.”

A atitude, um tanto incomum, não é inédita na família de Gonçalves. “Minha irmã é casada há 25 anos, mas também acabou registrando os dois filhos sem o nome do marido.” O filho dele, no entanto, se incomodava com a situação. “Ele perguntava por que só tinha o nome da mãe. E eu dizia ‘fique tranquilo, vou colocar meu nome’”, diz Nilson.

Em setembro do ano passado, quando Paulo decidiu fazer o documento de identidade, o pai resolveu que era a hora de consertar a omissão no registro. “Fomos ao cartório com duas testemunhas, pagamos uma taxa e colocamos meu nome. Foi bem rápido e, em 30 dias, chegou o documento novo. Acho importante ele ter meu sobrenome, para quando casar levar para frente”, ressalta.

Ausência

Desconhecimento do pai prejudica e pode estigmatizar a criança

O presidente da Anoreg-BR, Rogério Bacellar, destaca que muitas vezes a mãe omite o nome do pai no ato do registro por mágoa de não ter tido apoio na gestação. “Mas isso não pode prejudicar a criança. Muitas vezes, na escola, ela passa a ser tratada de maneira pejorativa, como filho sem pai, e pode ter problemas no desenvolvimento.”

A promotora de Justiça Luciane Melluso Freitas, titular da Vara de Registros Públicos de Curitiba do MP-PR, acrescenta que além de assegurar os direitos sucessórios, ter o nome do pai é um direito à cidadania. “A criança precisa saber a qual família pertence. Além disso, no ato do reconhecimento, erros de grafia são revistos e o primeiro documento, que é o RG, já sai com o nome do pai.”

Fonte: Gazeta do Povo

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