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03/06/2013
Alienação parental divide famílias

A separação de um casal quase sempre gera conflito que respinga nos filhos. Neste caldeirão de sentimentos, quando não bem resolvidos pelos adultos, a criança ou adolescente vira a principal vítima do término da relação.

Os tribunais passaram a mediar também o conflito denominado alienação parental, quando quem tem a guarda da criança faz o possível e o impossível para distanciar os filhos do ex. De um modo geral, o genitor que tem a guarda tenta denegrir a imagem do outro genitor.

A reportagem do JC mergulha nesse conflito familiar transformado em guerra, em que sobram estilhaços para os filhos que, segundo especialistas, fariam tudo para ter os dois pais juntos. Nos últimos dez anos, o número de divórcios no Brasil quase dobrou, passando de 1,7%, em 2000, para 3,1% em 2010. O balanço mostrando a explosão de divórcios integra o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao mesmo tempo, o número de uniões consensuais, quando não há cerimônia no civil nem no religioso, também aumentou no Brasil.

Segundo análise do instituto, no caso dos divórcios, a flexibilização da legislação contribuiu para o crescimento, já detectado na pesquisa do Registro Civil, feita em 2011. Foi o que aconteceu, por exemplo, a partir de 2007, quando os divórcios puderam ser requeridos por vias administrativas, nos tabelionatos de notas, havendo consenso e inexistindo filhos menores de idade ou incapazes. Além disso, desde 2010 é possível requerer a dissolução do casamento a qualquer tempo, seja o divórcio de natureza consensual ou litigiosa.

Para trazer à tona detalhes dessa guerra vivida e inscrita nas centenas de compêndios de processos nas Varas da Família e nas audiências, o JC optou por salvaguardar a identidade dos envolvidos, inclusive de um juiz atuante na Vara da Família e de pessoas do corpo técnico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). O corpo técnico é formado por assistentes sociais e psicólogas que assessoram os juízes para estabelecer a situação de alienação e até mesmo indicar a necessidade de uma terapia para crianças e adolescentes para tratamento das sequelas provocadas pelo sofrimento psicológico.

Legislação

A lei da alienação parental é de agosto de 2010 tipificando as situações e prevendo sanções para sanar a alienação com aplicação de advertência, ampliação do regime de convivência familiar, multa, acompanhamento psicológico, determinação da alteração da guarda para guarda compartilhada ou o inverso, fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente e suspensão da autoridade parental. O advogado Tiago Gusmão da Silva, que atua em processos de alienação, cita que os casos são relativamente novos, apesar do problema ser antigo. Ele entende que é inevitável o aumento de processos de alienação porque crescem os casos de separação e divórcio. A alienação pode ser cometida também por avós ou por qualquer pessoa que tenha a guarda de criança ou adolescente.

Conciliar

O juiz de Família esclarece que o Judiciário em Bauru persiste na conciliação. O entendimento é do direito da criança de ter a convivência com o genitor que não possua a guarda do filho. Ele conta que, em seus casos, ainda não foi necessário recorrer à retirada da guarda de um genitor, medida extrema porém prevista na lei de alienação parental.

O juiz conta que há casos em que foram necessárias até quatro tentativas para obter a conciliação. “Tem que incutir na cabeça dos pais que tudo o que estão fazendo é em prejuízo das crianças”, salienta.

O juiz também salienta que ocorrem casos em que o pai alega alienação para tirar alguma vantagem mas não se configura. “Pelo contrário. É o pai que acaba, muitas vezes, não exercendo o direito de visita”, acrescenta.

Para se definir se procede uma demanda por alienação, os técnicos – psicólogos e assistentes sociais do TJ-SP – procedem a um estudo da situação. Conversam com os pais. Na avaliação das crianças, são empregadas técnicas para que a criança expresse seus sentimentos. De forma lúdica, os técnicos propõem brincadeiras e brinquedos e desenhos – técnicas projetivas. Os pareceres dão subsídios ao juiz da Família.

O juiz da Família conta que indeferiu um pedido de alienação parental feito pelo pai de um adolescente. O magistrado relata que a mãe não interferia no desejo do menor de não se relacionar com o pai. “O menor dizia que não queria mais fazer visita”, explica. O parecer do setor técnico do TJ-SP esclareceu que o adolescente demonstrou desembaraço ao se manifestar pelo desejo de não ver o pai. De acordo com o juiz, o adolescente também demonstrou receio do convívio com o genitor porque o pai tinha condenação criminal.

Ardil da vingança

O advogado Tiago Gusmão da Silva tem claro que alienação parental consiste em fazer do filho um instrumento de vingança. Gusmão ressalta que o casal com filhos e decididos pela separação deveria buscar ajuda psicológica. “São raras as pessoas que buscam um suporte psicológico. O advogado acaba dando um apoio psicológico para o cliente, mas não é o ideal”, salienta.

Ele está diretamente envolvido no momento com cinco processos judiciais de alienação parental e já atuou em outros cinco. O mais comum é que a guarda do filho fique com a mãe ou ainda a guarda compartilhada, situação com características específicas.

Gusmão esclarece a pessoa que tem a guarda se vale do seu acesso cotidiano para enredar a criança de tal maneira para afastá-la do outro genitor. O advogado identifica que um dos dois não aceitou a separação. “Isso é inevitável”, pontua. Para efeito da lei, o advogado define as partes como genitor alienante, aquele que promove a alienação, e o alienado. Como se trata de uma guerra, ele aponta que o alienante se utiliza dos maios variados artifícios para afastar os filhos do pai. Existe também a situação de alienação recíproca, quando pai e mãe se denigrem mutuamente para afastar a criança um do outro.

Na experiência de Gusmão, a realidade mostra que o ato de alienação parental se baseia em falar mal do outro genitor, denegrir a imagem profissional ou pessoal, colocar o outro em situação desconfortável para que a criança prefira o genitor que detém a guarda da criança ou adolescente.

Gusmão esclarece que os primeiros estudos iniciaram nos EUA apontando para a situação em que a criança é um instrumento de vingança na separação dos pais. Os norte-americanos denominam como lavagem cerebral, enquanto que a legislação brasileira define como alienação parental.

Processo

O advogado esclarece que a alienação parental pode ser alegada ainda no transcorrer de processo de divórcio ou em um processo específico. O juiz solicita uma perícia de técnicos do judiciário que irá confirmar ou refutar a alegação. Gusmão avalia que as perícias feitas pelos técnicos (psicólogos e assistentes sociais) do Tribunal de Justiça (TJ-SP) são muito boas.

Ele exemplifica que em um caso em que o advogado representante da ex-mulher de seu cliente preferiu um acordo ao perceber que o processo caminharia para a caracterização da alienação parental. Segundo Gusmão, a mãe queria o afastamento do pai do filho de apenas 3 anos, porém havia a relação de afeto mútuo entre pai e filho.

Estragos no luto da separação

Há casos que ocorrem a alienação parental, porque o casamento era a representação de um sonho que foi desfeito

Uma psicóloga integrante do corpo técnico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), atuando há 20 anos com a avaliação psicossocial, salienta que a separação é um momento de luto pela relação desfeita. É com esse entendimento que se procura atenuar os conflitos entre o casal separado que atinge também as crianças.

Na vivência da psicóloga, na maioria dos casos, as mulheres acabam promovendo a alienação parental porque o casamento era a representação de um sonho e sua dissolução, com a separação, é o desmoronamento deste sonho. A cabeça dos envolvidos é um grande caldeirão de emoções e de instabilidade, com pensamentos bons e ruins fluindo graças a flashbacks do que o casal viveu durante a convivência, interrompida pela separação.

Conforme a técnica, muitas vezes, a ex-mulher acaba descontruindo para o filho a imagem do pai de maneira até inconsciente. Ela conta que a criança estabelece com a mãe – denominada pelos técnicos do TJ-SP como guardião contínuo – uma aliança profunda. A experiência dos técnicos mostra que há situações que essa relação é tão forte que a mãe fala para o filho que ele deve ir com o pai. Conforme a psicóloga, o gestual da mãe e a inflexão na voz revelam para a criança que a mãe não deseja que ela tenha contato com pai. Inconsciente, conforme a avaliação da psicóloga, a mãe agiria pretendendo a proteção do filho porque se sente machucada, magoada pela separação provocada por uma pessoa que a faz vivenciar um sofrimento psicológico.

O advogado Tiago Gusmão da Silva avalia que crianças com menor capacidade de discernimento são mais sensíveis ao processo de alienação. Porém a legislação fixa crianças e adolescentes como alvos de alienação parental. Gusmão ressalta que, comprovadamente, a criança pode ter problemas de depressão e de relacionamento no futuro, podendo repetir o comportamento dos pais. “A mácula da alienação parental é devastadora e perene. Se chegou num ponto em que alienação ficou caracterizada, a criança vai sentir isso, ultrapassar a fase da infância e vai para fase adulta. É um trauma em maior ou menor grau”, pondera.

O advogado defende o princípio jurídico do melhor interesse da criança. “Os pais que se separaram não podem usar a criança como meio de vingança um contra o outro. Porque, no meu ponto de vista, é a forma mais baixa de um querer provocar o outro. Infelizmente é isso que acontece”, salienta.

Gusmão esclarece que, na maioria das situações de separação, quando não há filhos, as partes se vingam uma da outra disputando os bens – imóveis, dinheiro etc. A criança vem logo na sequência na escala de munição para um promover a vingança em relação ao outro.

Uma guerra aberta

O advogado Tiago Gusmão da Silva conta que um casal se separou e a mãe não quis, a princípio, a guarda dos dois filhos, direito repassado ao pai. Passado algum tempo, se instalou a guerra. Gusmão conta que a mulher repensou e passou a querer contato maior com as crianças. O advogado esclarece que seu cliente tinha uma certa resistência.

A ex-mulher começou a buscar o contato com os filhos sem autorização do pai, detentor da guarda. Neste contato, a mãe passou a difamar o pai, incutindo na cabeça dos filhos que ele não a deixava se aproximar deles. De acordo com Gusmão, as crianças entraram em crise. Na sequência, o advogado conta que a ex-mulher do seu cliente alegou essa circunstância para pedir judicialmente a revisão da guarda, passando para uma situação de guarda compartilhada. O advogado conta que a melhor saída foi o acordo pensando no interesse das crianças. “Não adiantava brigar por uma coisa que, por mais que a mãe não tenha desejado a guarda dos filhos, o contato ia ter que acontecer”, pontua.

Em um caso de união estável amigável, o casal teve uma filha e acabaram se separando. A mulher insistia em criar dificuldade para a visitação, nos finais de semana alternados. Porém, quando o pai chegava para buscar a criança, às 13h, só conseguia tirar a criança da residência por volta de 17h. A mulher passou a proibir a saída de pai e filha percebendo que não seria suficiente somente provocar o atraso, insinuando que a criança não desejava.

Gusmão conta que, posteriormente, se descobriu a invenção de uma história para atemorizar a criança em que a nova mulher de seu cliente iria lhe bater. A menina tinha por volta de 5 anos e passou a não querer a convivência com o pai.

A ex-mulher procurou um advogado e mudou seu comportamento. A estratégia de Gusmão foi demonstrar que o conflito encaminharia para uma ação de alienação parental, caso ela persistisse na tentativa de criar empecilho do convívio de pai e filha. O advogado conta que esse tipo de postura contribui para que cesse o comportamento de quem pratica alienação por orientação do advogado. “Foi uma mudança da água para o vinho. Tenho provas com gravações entre ele e ela antes dela consultar um profissional e depois. A conversa foi outra.” O advogado acrescenta que, cessada a alienação, a criança passou a conviver naturalmente com seu pai. (RS)

Parte da realidade na TV

Uma psicóloga do setor técnico do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em Bauru comentou ao JC que a novela Salve Jorge, da Rede Globo, apresentou bem o conflito familiar alienação parental com a separação dos pais. “Mas é fichinha perto do que a gente vê aqui”, frisa a especialista.

A teledramaturgia da Rede Globo e de outras emissoras brasileiras costuma surfar em temas que são polêmicos para a sociedade. Em Salve Jorge, a atriz mirim Kiria Malheiros viveu a personagem Raissa envolvida na disputa entre seus pais separados, vividos por Caco Ciocler, o Celso, e a atriz Letícia Spiller, a Antônia. Celso não aceitava a separação principalmente porque foi trocado por um outro homem. Mesmo com os pais de Celso tentando amenizar, o ex de Antônia jogou a filha contra a mãe. “Não é para acreditar em nada do que ela vai falar”, dispara Celso, em um dia de vista de Antônia.

Fonte: Site JCNet

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