Um parecer da comissão criada pelo Governo do Distrital Federal (GDF) para tratar da regularização dos condomínios aponta um caminho alternativo à licitação dos lotes. A conclusão é assinada por representante da Procuradoria do Distrito Federal que presidia o grupo de trabalho. Segundo o documento a que o Correio teve acesso, a venda direta é uma possibilidade legal. O parecer considera que as pessoas que adquiriram lotes em áreas públicas foram compradoras de boa-fé. E que seria permitido a venda direta de forma constitucional.
A conclusão é de 2003, mas foi levada à apreciação da Terracap, que não concordou com os argumentos apresentados na época. No entendimento da Terracap, a Lei Federal 8.666 (Lei de Licitações) é soberana. O procurador Paulo Serejo, que presidiu a comissão, no entanto, defende até hoje a venda direta como uma forma para solucionar o problema. A legislação prevê exceções. No caso dos condomínios irregulares no DF, poderia ser aplicada a Lei 8.025/90, explicou. Essa lei respaldou legalmente a venda dos imóveis funcionais da União, no início dos anos 1990.
A Lei Federal 8.025/90, usada naquele caso, confirmava a necessidade de haver licitação. Porém, em seu artigo 6º abriu uma exceção. Concedeu aos ocupantes o direito de preferência antes da publicação de um edital de concorrência, diferentemente do que ocorre no modelo atual de venda dos lotes em condomínios. Os beneficiados pela norma tiveram 30 dias para manifestar interesse ou não em adquirir o bem. Pela regra atual, seguida na última licitação, por exemplo, o direito de preferência é exercido depois da abertura das propostas de compra dos imóveis. O ocupante tem cinco dias para cobrir o maior lance, sob pena de perder a propriedade.
A comissão foi constituída por representantes da Terracap, Caesb, Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), CEB, Procuradoria Geral do DF (PGR), e cinco integrantes do Movimento Morar Legal. O grupo concluiu que os moradores foram compradores de boa-fé. E que os imóveis poderiam ser vendidos aos ocupantes, antes da publicação de um edital de concorrência pública.
A tese defendida no relatório da comissão era a de que a forma de venda adotada em nível federal pudesse ser aplicada no DF. Para isso, o Executivo local teria que apresentar um projeto de lei aplicando a regra às terras do DF. O texto da lei chegou a ser elaborado pelo presidente da comissão, o procurador do DF Paulo Serejo. “A Lei 8.025/90 é aplicável aos imóveis da União. Se essa lei foi aplicada, é porque se trata de uma norma geral de exceção. Nesse caso, ela é aplicável ao DF e nunca se disse o contrário”, afirma.
Um dos principais argumentos do documento é a ação direta de constitucionalidade (Adin) 1.300-9, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 1995. Na época, o governo do Amapá contestava lei local que concedia o direito de preferência antes da abertura de licitação aos ocupantes de imóveis do estado. O STF negou o pedido de suspensão. Para a comissão, foi a abertura de um precedente importante.
Desigualdade
A posição adotada pelo grupo, expressa em um documento entregue ao governador Joaquim Roriz em 11 de julho de 2003, vai contra o que defende o Ministério Público, que vem elogiando o modelo de licitação seguido pela Terracap. Mas a comissão entende que há um problema social para ser resolvido. “Há uma carência de imóveis para classe média”, argumenta o procurador. Serejo afirma que a comunidade dos condomínios representa cerca de 20% da população do DF, número de pessoas muito alto para ser considerado de má-fé. Nesse caso, não caberia licitação. O parecer da comissão mostra que a concorrência pública não oferece igualdade de condições, porque promove a disputa entre o morador e pessoas que podem ser apenas investidores.
Na época da elaboração do relatório, o representante da companhia imobiliária, Juvenal Antunes Pereira, votou contra a venda direta. “A venda direta não é possível porque os imóveis ocupados por parcelamentos passíveis de regularização não se destinam à população de baixa renda, nem a Terracap é entidade criada para esse fim. Nem tampouco as ocupações dos imóveis em condomínios podem ser equiparadas às dos imóveis residenciais de propriedade da União”, argumenta, em seu voto.
Incentivo à especulação
A conclusão da comissão também destaca que a licitação promove a especulação: “A licitação dos lotes dos condomínios irregulares aos possuidores não impede a ocorrência dos males que se quer evitar (especulação, novas ocupações irregulares e lesão aos cofres públicos)”. Mas a Terracap entende que deve prevalecer a Lei de Licitações), que garante a legitimidade do processo, segundo informou a assessoria de imprensa do órgão.
Para a coordenadora do Movimento Morar Legal, Elizabeth Bastos, que fez parte da comissão, o Ministério Público deveria considerar que os moradores são vítimas de grileiros, e não invasores. “O governo também precisa entender que a administração tem obrigação de optar pela razoabilidade, ter bom senso. A venda direta não traz prejuízo ao erário público”, defende a moradora do condomínio Estância Jardim Botânico, um dos mais antigos da região. O loteamento tem escritura coletiva registrada no 2º Registro de Imóveis. A Terracap garante que é a dona das terras e colocou parte dos lotes à venda em licitação.
Os moradores dos condomínios irregulares ainda pretendem fazer muito barulho, até que o processo de licitação dos lotes seja interrompido. Depois de fechar o Eixo Monumental na tarde de quarta-feira, eles dizem que vão protestar com mais força. Consideram a concorrência pública injusta.
Fonte: Correio Braziliense (27/01/2006)
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